* Por Mauro Biazi

Em 20 de maio de 1964, por ocasião da celebração do meu primeiro decênio de vida, estava morando em Curitiba. Tempos difíceis.

Dois dias depois desembarcava em Guarapuava num ônibus da Princesa dos Campos. Daquela viagem, com a duração de umas 10 horas, a lembrança de um trecho de terra que contornava a Serra da Esperança. A BR 277 ainda estava em construção e os dois viadutos, Tigrinho e São João, saindo das profundezas. Sempre que passo por alí exercito a imaginação buscando pelo trecho daquele saudoso ano de 1964.

De presente, pelos primeiros dez anos de existência, lembro de ter ganhado um revólver de alumínio e uma caixa de espoletas. Quanta alegria! Era meu modestíssimo sonho, e também em congruência com a situação econômica da família. A Mateus Leme, nosso endereço na capital, a rua que me deixava maravilhado com o tamanho da Fundição Muller, que virou shopping, foi testemunha dos primeiros tiros.

Cheguei em Guarapuava bem ao estilo guarapuavano, que eu nem sabia, ou seja, numa época em que revólver na cintura de um adulto era tão comum como andar pra frente. Por uns tempos, ou quando tinha dinheiro pra comprar espoleta, ostentava todo pomposo e cheio de orgulho minha arma de alumínio. Virado num Buck Jones, Rocky Lane, Búffalo Bill, Cheyenne Bill, Maverick, Cavaleiro Negro, Zorro...eu era o dono do trem que avançava pelas pradarias do velho oeste americano atirando em índios -coitados- e bandoleiros, ou num cavalo como o Silver a deitar o cabelo numa perseguição a algum malvado que assaltara um banco e roubara a mocinha mais linda dos quadrinhos.

Tempos depois, lá por 1968, fui morar no prédinho da Saldanha Marinho, de um iugoslavo de voz grave, olhar congelante e os pés sempre inchados, pai do amigo Norberto. O local onde hoje, e desde há muitos anos, é a Casa Modelo. Pela manhã íamos juntos pro Carneiro Martins. À tarde, de posse de uma espingarda de pressão que ele ganhara, ficávamos procurando alvo pra exercitar a pontaria. E era tiro pra todo lado. Certa feita, de uma das janelas do predinho dele, de frente pra Saldanha Marinho, um menino filho do pintor -irmão do Marinho da Loja Jeanne-, inventou de nos desafiar para testar nossa mira. Era uma distância de uns 40 metros da janela até a sua casa -aquela de madeira, na Pinheiro Machado, ainda existente e que abriga uma alfaiataria e um conserto de roupas. Foi então que eu, por herança daquele revólver de alúminio, municiei a espingarda, mirei,disparei...e tiro ao alvo.

Pronto, estabeleceu-se a confusão. O menino com sangue escorrendo da cabeça, eu tremendo mais que varal em vento de agosto, o Norberto rindo da situação e, feito Pôncio Pilatos, lavando as mãos. Foi um bafafá tremendo, com pais envolvidos, uma surra básica, e até hoje sem nunca mais portar instrumento perigoso nas mãos.

E foi nesse dia que, mesmo sem a tal reforma que permite armar o Brasil, aposentei meu espírito de caubói. E nunca mais "camon", mãos ao alto, você está preso, solte a arma...

De público meu perdão àquele menino, acho que Rogério era o seu nome, que nunca mais o vi, nem Norberto, nem meu revólvinho inofensivo feito de alumínio, da Estrela, muito menos a espingarda de pressão de mira precisa para um caubói de 14 anos.

(Outras centenas de crônicas como esta no livro Era uma vez...em Guarapuava. Preço: 50,00)

Mauro Biazi

Mauro Xavier Biazi, jornalista/escritor/fotógrafo/promotor de eventos culturais/ gastronômicos, e uma infinidade de outras atividades, usa das palavras para rascunhar recortes de uma vida de tantos feitos e fatos.

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