Rua 15, Bobódromo...

* Por Mauro Biazi

16/11/2024 13H27

* Por Mauro Biazi

Puxamos pela memória e instantaneamente saltam lembranças de fatos que habitam nela, de forma impregnada, colada, atada, juntada aos anos que vivemos. É como se tivéssemos mais e mais gavetas abarrotadas delas as quais, a cada instante, e para nossa felicidade, se abrem a expô-las e a nos ofertar novamente aqueles momentos como se tivéssemos vividos ontem, agora de manhã, nesse Instante, tudo por força da intensidade que aconteceram.

O hábito de passear na Rua 15, por ser então a via principal de Guarapuava, pode ter existido sempre, mas foi nos anos 1970 que ele adquiriu uma dimensão especial. Por conta de mais pessoas possuírem carros, o que levava amigos a comprarem um pé de borracha em prestações a perder de vista, o footing sobre 4 rodas se incorporou na vida da cidade, e era o acontecimento da semana inteira.

Tudo acontecia em torno do Bobódromo- o termo usado para aquele vai e vem na 15 consumindo combustível -na época, quase só gasolina- de carros entulhados de famílias, amigos, amigas, turmas de bairro. A agenda da cidade obedecia o antes e o depois do domingo, o antes e o depois do Bobódromo. Encontros eram marcados para o domingo à tarde. Paqueras rolavam entre condutores de um carro com passageiras de outro, entre os sem combustível que estacionavam o 4 rodas à espera daquela pessoa, entre quem nunca se vira, -fato impossível naquela Guarapuava pequerrucha, mas acontecia sim. Naquela procissão que congestionava a principal artéria da cidade, de tudo acontecia. Um olhar, um sinal, um recado para "guardar lugar no cinema", e muitos casamentos tiveram início alí, naquela diversão inocentemente interiorana.

O espaço do Bobódromo compreendia o trecho da Rua 15, que à época tinha duas mãos, entre a esquina da Saldanha Marinho até a Av.Manoel Ribas. Era nesse território delimitado que motoristas desfilavam o último modelo da Chevrolet, da Volks, Ford... não sem antes ter passado a tarde inteira de sábado lavando, enxaguando, secando, encerando o orgulho de lata, vidro e borracha. Muitos pais autorizavam que o filho dirigisse aos domingos, desde que no sábado executassem o serviço de dar uma geral no pé de borracha. Ah, quantos sábados de gastação de água, sabão em pó, cêra 3M, Lustracar, e muito bombril pra deixar as rodas brilhando. Em casa que tinha carro, a tarde de sábado era totalmente dedicada a embelezar o orgulho da família. Estacionados na rua, em cima de calçadas ou dentro da garagem, os carros recebiam todos os cuidados, e o lava car familiar funcionava pra valer. Outros ainda, por economia, dirigiam até o Rio Cascavelzinho ou Jordão, usufruindo de suas águas na limpeza do 4 rodas.

Domingo, almoço no estômago, tinha início a ansiedade de contar as horas até a abertura do Bobódromo e os primeiros carros, as primeiras pessoas, as primeiras emoções. E então era dada a partida para mais uma tarde domingueira de carros e motoristas, passageiros e curiosos parados em pé nas calçadas ou sentados nalgum capô, bebericando uma cerveja em lata, com limão espremido sobre o sal na tampa.

Quem não tinha carro, nem vou citar quem, ficava à espera de algum amigo caridoso que oferecesse uma volta ou, resignadamente, assistia a procissão nalguma esquina da 15. Os lugares preferidos, para ver e ser visto, eram em frente ao Guaira ou no Lupus, bar que marcou época na esquina da Praça 9 de Dezembro.

Os olhos seguiam algum carro em especial e pela cadência do trânsito dava para saber quando seria avistado de novo. Se dava liga, o motorista dobrava a primeira esquina e permanecia naquele quarteirão indo e vindo sem se importar com o preço da gasolina, em voltas intermináveis.

Então, a tarde ia findando, o sol indo embora, a noite a mostrar seu cartão de visita pedindo licença para chegar, e os carros levavam seus ocupantes para a outra emocionante função dominical: o Cine Jeanne. Porém, antes era preciso passar em casa para raspar a tigela com o resto da maionese do almoço, escovada nos cabelos, uma reforçada no Patchuli, apanhar uma blusa porque ia esfriar...e seguir para o cinema, onde outras tantas emoções nos aguardavam.

Ah, que felicidade sem tamanho se realmente o pedido de "guarda um lugar pra mim" se concretizasse e lá estivesse ela, tão ansiosa quanto você, à espera de timidamente tocar as mãos quando o escurinho se instalasse ou, ousadia suprema, rolasse um leve roçar de lábios num beijo febrilmente imaginado a semana inteira.

Um parêntesis para avançar no tempo e recordar que entre 1985 até 1990 e tanto, sagradamente meu domingo era, para alegria de tantos leitores cativos, distribuir o antológico Tin-Tin em frente ao Posto São Jorge, quando muitos saiam de casa exclusivamente para recebê-lo e saber das últimas tiradas do escrachado e irreverente jornal.

Tempo inocentemente bão! De 10 em 10 guarapuavanos e guarapuavanas, com a mais cristalina certeza, todos dariam tudo para outra tarde no Bobódromo, outra noite de domingo no Jeanne, outra tigela com restos de maionese do almoço em família.

(Outras centenas de crônicas como esta no livro Era uma vez...em Guarapuava. Preço: 50,00)

Mauro Biazi

Mauro Xavier Biazi, jornalista/escritor/fotógrafo/promotor de eventos culturais/ gastronômicos, e uma infinidade de outras atividades, usa das palavras para rascunhar recortes de uma vida de tantos feitos e fatos.

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