Os engraxates

* Por Mauro Biazi

30/11/2024 10H10

* Por Mauro Biazi

Hoje, engraxando um par de sapatos, comprei passagem na máquina do tempo e tomei assento para uma viagem rumo aos anos 1960, quando havia mais engraxate nas ruas que pedestres.

Engraxate, pra começar, era uma figura não muito simpática aos olhos da maioria, que dela se servia só e tão somente para dar brilho nos seus pisantes.

Isso posto, é impreterível afirmar que por conta dessa discriminação sofriam bullying -palavrinha inexistente na época. Vistos com certo desprezo e, portanto, isolados, criaram, sem saber, a turma dos engraxates, temida por outros guris, o pavor de turmas mais bem servidas no quesito dindin, as quais olhavam pra nós com toda a arrogância existente no Planeta Terra.

Ancestral do movimento Me Too na versão masculina, -mexiam com um, mexiam com todos-, a turma dos engraxates quando um membro seu era agredido se juntava feito abelhas em pote de mel destampado. Em poucos minutos aparecia engraxate de dentro de bueiro, casa abandonada, terreno sujo.

E aí era sopapo daqui, rasteira de lá, "é você, seu v...", "você que é v...", "seu filho da p...", filho da p...é você". Eu, raquítico, era quem segurava a caixa do engraxate ofendido em sua honra, na honra de sua mãe e da família inteira. Logo, algum adulto do deixa disso aparecia e dava cabo da confusão.

Cessado o quiprocó, serenado os ânimos, era hora de retornar a caminhada à procura de um cliente até a próxima convocação da turma para salvaguardar algum colega de ofício.

O que aliviava o peso da caixa, os quilômetros caminhados, as refregas, era saber que domingo a gente ia ao matinê pois o bolso traseiro do calção puído estava com uns cruzeiros pra entrada, balas, e aquele desejado almanaque do Príncipe Valente na banca do Da Silva.

Ah, tempo inesquecivelmente bão! Quem nunca foi engraxate que atire a primeira lata Nugget comprada na Casa Vitor!

(Outras centenas de crônicas como esta no livro Era uma vez...em Guarapuava. Preço: 50,00)

Mauro Biazi

Mauro Xavier Biazi, jornalista/escritor/fotógrafo/promotor de eventos culturais/ gastronômicos, e uma infinidade de outras atividades, usa das palavras para rascunhar recortes de uma vida de tantos feitos e fatos.

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