O vestido de luxo e o vestido de chita: a tradição das festas populares brasileiras.

* Por Expressiva Modas

23/06/2022 16H48

Tradições e rupturas fazem parte da dinâmica histórica da construção de uma identidade e cultura de um povo. Nada melhor do que começar a conhecer a cultura de um lugar e de sua gente para entender onde eles estão inseridos historicamente no espaço tempo. Quando se trata do Brasil, essa métrica tem ainda mais importância e peso porque sabemos que somos um país miscigenado, com um mosaico de culturas, influências, saberes, dizeres e folclores. Nossa história é extremamente rica, que se entretece desde os povos nativos, indígenas, latino americanos, até o momento da colonização pelos europeus, com lutas, conflitos e invasões. Nosso país é extremamente rico culturalmente devido a tantas influências e sua grandiosidade territorial, afinal são cinco regiões completamente distintas entre si com sotaques e popularidades únicas.

Mas, quando se trata de celebrar e festejar, o brasileiro une-se em uma só cultura – que varia de estado para estado, mas a essência é a mesma. Uma das mais tradicionais festividades do Brasil são as ditas festas juninas populares, as festas caipiras que celebram São João com comidas e trajes típicos. Na verdade, o início dessa tradição é muito interessante e exemplifica bem essa incorporação única de celebrações e culturas em nosso país.

Historicamente, as festas juninas têm origem pagã, no hemisfério norte, ocorrendo inicialmente nessa época de ano para celebrar as colheitas de grãos e a chegada do verão (no norte do planeta tem clima contrário ao nosso). Quando a Igreja alia-se ao Estado e passa a controlar as relações políticas, econômicas e culturais, há uma tentativa de acabar com essas festas pagãs, mas por serem populares demais, a tentativa é falha; a melhor solução, foi ressignificar essa celebração de colheitas e estações para o calendário santo da Igreja, sendo um louvor a Santo Antônio, São João e São Pedro. Quando a corte portuguesa desembarcou no Brasil, dando início ao período Imperial do nosso país, trouxe na bagagem as tradições europeias que se fundem ao nosso imaginário nativo, já embebido de recortes culturais já estabelecidos.

E, assim, nasce a figura do caipira. A festa cai no gosto popular depois de ser celebrada na corte e acaba se transformando em uma sátira das damas portuguesas, com seus vestidos volumosos, cheios de anáguas e babados. Temos as sinhazinhas. Nesse ponto, prestamos atenção sobre como a moda se torna uma ferramenta de análise e de escape para entender as relações entre a corte e o Império e o Brasil sertanejo. Os trajes típicos do homem, de camisa de flanela, calça remendada, chapéu de palha e a pintura facial imitando a barba por fazer, reproduzindo um visual desleixado, criam um imaginário entorno desse homem simples, servil e trabalhador, longe do luxo da Coroa e das burocracias do poder. O popular caipira, vira motivo de riso para a Corte e de orgulho para a população, que homenageia essa figura tão carismática em uma de suas festas mais populares.

O mesmo acontece com as damas e seus vestidos europeus. Temos que levar em consideração que o Brasil é um país de clima tropical, então as centenas de metros de tecidos, babados, armações e xales usados pelas senhoras da corte são quase que inviáveis no calor do Rio de Janeiro, a sede da coroa. Por isso o palácio de Petrópolis era tão querido por Leopoldina, por ser uma cidade na serra carioca, onde as temperaturas eram mais amenas. Então, subverter esses trajes foi muito fácil para a população mais simples: vestidos de chita, floridos ou xadrez, satirizando as indumentárias pomposas e descabidas para a nossa realidade. As danças coreografadas nos salões europeus, nos palacetes das ricas famílias e trazidas para as terras tupiniquins ganham ritmos sertanejos e danças caricatas. E, assim, a pompa de uma festa religiosa cai no gosto popular brasileiro, se tornando um dos eventos mais aguardados e celebrados do país.

A moda não é um conceito distante da nossa realidade ou somente a cor de roupa que é tendência, ela é uma ferramenta poderosa para investigar a história e a cultura de um povo, como no caso do Brasil. Conhecer as tradições brasileiras e suas rupturas e adaptações dizem mais sobre o quem é o nosso povo do que documentos do governo ou ditos oficiais. Moda é vivida e revivida, é sátira, questionamento, manifestação de cultura e de força. Então, celebremos o São João como quem celebra a história.

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