Deltan rejeitou receber prêmio ao lado de Bolsonaro e "radicais de direita”

A ideia era não se vincular a bandeiras político-ideológica

15/08/2019 07H38

O coordenador da Lava Jato no Ministério Público no Paraná, Deltan Dallagnol, rejeitou receber um prêmio ao lado do hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL) e “outros radicais de direita”, segundo revelam mensagens privadas de integrantes da força-tarefa enviadas por fonte anônima ao site The Intercept Brasil e analisadas em parceria com o UOL. A ideia era não se vincular a bandeiras político-ideológicas, de acordo com nota enviada à reportagem (veja abaixo), como as do ex-capitão do Exército que hoje sugere que Deltan seja um “esquerdista tipo PSOL”.  As informações são da UOL.

O prêmio em questão foi o “Liberdade 2016”, concedido no Fórum Liberdade e Democracia, organizado pelo Instituto de Formação de Líderes de São Paulo, em 22 de outubro daquele ano no Transamérica Expo Center.

Em mensagem publicada em 5 de outubro no grupo Filhos do Januário 1, que reúne procuradores do MPF no Paraná, o coordenador da força-tarefa havia dito que iria receber o prêmio:

“Vou receber porque me parece positivo para a LJ, mas vou pedir para ressaltarem de algum modo, preferencialmente oifical, que entregam a mim como símbolo do trabalho da equipe”. As mensagens divulgadas preservaram a grafia usada no aplicativo.

Três dias antes do evento, Deltan foi aconselhado por um assessor da força-tarefa a não participar para evitar que associasse a imagem da Lava Jato à do então deputado federal, que participaria de uma mesa durante o evento.

Além do atual presidente e de Holiday, o evento teve a presença da senadora Ana Amélia (PP-RS), candidata a vice-presidente em 2018 na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB). O promotor Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, recebeu o prêmio em São Paulo dois dias depois do aviso de Dallagnol e postou imagem no Twitter.

Bolsonaro foi recebido na mesa de debates por Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil, de orientação liberal, enquanto a plateia gritava: “Mito, mito”.

Duas semanas depois, Deltan pediu para outro assessor do MPF relacionar os prêmios recebidos pela Lava Jato, com detalhes da premiação, mas com menos destaque para outros, como o do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo.

Entre 3 e 6 de dezembro de 2016, a força-tarefa recebeu dois troféus, o da Conferência Internacional Anticorrupção, no Panamá, e o Innovare, em Brasília. No dia 7, Roberson Pozzobon disse em mensagem no grupo do Telegram ter recebido o prêmio entregue a Roberto Livianu. Para o procurador, já poderia ser anotada uma marca no livro dos recordes, o Guinness Book. Em resposta, recebeu um comentário de Deltan:

“Esse é aquele em que ele nos representou quando cancelei a ida para SP porque é um instituto liberal e estariam lá Bolsonaro e outros radicais de direita … guiness !! Kkkk kkkk

Não foi a única vez que procuradores da força-tarefa se mostraram avessos ao presidente Jair Bolsonaro. Em 21 de abril de 2017, Deltan envia um vídeo e pergunta aos colegas do grupo Filhos do Januário 1 se poderia compartilhar, pois havia políticos. “São de diferentes partidos em tese”, disse à 0h29. Laura Tessler achou melhor não.

Orlando Martello responde que sim porque o conteúdo tinha a ver com a bandeira da força-tarefa, possivelmente tratando de combate à corrupção. “É bom que os políticos vejam q todos q apoiarem esta causa terão propaganda positiva nossa”, disse Martello. “O importante é a mensagem.” Paulo Galvão diz que isso dependeria de quais políticos estavam no vídeo. Às 8h43, ele afirmou:

Martello responde que seriam o senador Romário (PSB-RJ) e os deputados federais Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Tiririca (PL-SP).Mesmo sem Bolsonaro, nenhum vídeo com políticos foi divulgado por Deltan em suas redes sociais no Twitter e no Facebook nos dias seguintes.

Sem filiação a nenhum partido político, Deltan foi chamado por uma página de apoiadores de Bolsonaro de “esquerdista tipo PSOL”. O perfil de Bolsonaro no Facebook compartilhou esta publicação no último sábado (10).

Hoje, ao menos um dirigente do Instituto de Formação de Líderes (IFL) trabalha no governo Bolsonaro. Mas o presidente da entidade, o empresário Georges Ebel, nega apoio ou antagonismo candidatos ou governos. Ele diz que a instituição não é nem de direita, nem de esquerda.

Segundo ele, Deltan informou que tinha problemas de agenda e que, “infelizmente”, esses cancelamentos de última hora não são incomuns. “Jair Bolsonaro foi convidado a um debate de ideias, nada programático”, afirmou Ebel à reportagem.

Ebel afirmou que os manifestantes bolsonaristas que gritavam “Mito” eram “poucos” na plateia.

“O Instituto tem posição completamente apartidária”, afirmou.

O promotor Roberto Livianu afirmou que os procuradores da Lava Jato pediram que ele recebesse o prêmio por dificuldade de agenda. Ele disse que a premiação foi rápida e não viu Jair Bolsonaro ou Fernando Holiday na plateia. Em 7 de dezembro, Livianu entregou o prêmio em mãos a Pozzobon, em Brasília.

O vereador Fernando Holiday (DEM-SP) se disse surpreso pelo fato de Deltan ter cancelado a ida ao evento por causa de sua participação, embora ressalve que não pode garantir a integridade das mensagens de texto do Telegram. “É engraçado porque, nesse mesmo evento, eu fiz duras críticas ao Bolsonaro quando eu recebi o prêmio, à forma de ele agir, ao modo como ele, já naquela época, louvava a ditadura militar”, relembrou o político do Movimento Brasil Livre. “Até hoje os bolsominions me criticam por conta do discurso que eu fiz nesse evento.”

Holiday disse que todo procurador tem direito a opiniões políticas, desde que isso não atrapalhe sua atuação nos processos.

O vereador também afirmou não saber se o cancelamento foi um dos motivos que levaram Jair Bolsonaro a sugerir que Deltan fosse um “esquerdista do PSOL”.

“O Deltan era muito difícil nesse meio da direita. Sempre ficou uma dúvida pairando qual seria a ideologia política dele e sobre o que ele acreditava. Alguns diziam que ele era mais próximo da Rede, da Marina Silva (ex-candidata à Presidência), outros diziam que ele era de direita, conservador. Nesses movimentos, ninguém afirmou categoricamente quais eram as posições políticas dele. Agora não sei se o Agora não sei se o Bolsonaro especificamente sabia algum motivo.”

De acordo com o promotor Roberto Livianu e com o vereador Fernando Holiday, Bolsonaro não estava mais no evento quando houve as premiações.

A assessoria do presidente Jair Bolsonaro não localizou informações sobre o evento e não prestou esclarecimentos à reportagem.As respostas serão acrescentadas assim que enviadas.

A Lava Jato disse que evita a “participação direta de seus membros em eventos que possam gerar, ainda que indevidamente, a vinculação do trabalho técnico feito na Lava Jato a bandeiras ideológicas e político-partidárias”.

A nota ainda diz que o MPF reconhece a legitimidade de correntes políticas “que respeitem a Constituição e a democracia”.

“No caso do evento indicado, a força-tarefa se fez representar por um promotor de justiça de São Paulo, que ali reside e compareceu com o restrito objetivo de receber o prêmio em nome da força-tarefa”, segundo o texto.

O Ministério Público Federal no Paraná acrescentou que a equipe de procuradores “não reconhece o material, oriundo de crime cibernético, sujeito a alterações e descontextualizações diversas”.

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