Lagoa, castelinho, lenda...

* Por Mauro Biazi

15/06/2024 10H06

* Por Mauro Biazi

No ano da histórica nevasca de 1965 morávamos numa das duas casas de madeira da família Siqueira Martins, em frente à Lagoa, onde hoje fica a Construtora Artec, -netos do proprietário-, o qual morava no castelinho encantado do outro lado das águas. Sobre a neve... quem a viveu, viveu. Naquele dia a Lagoa das Lágrimas congelou por completa e a brincadeira foi arremessar pedras de um lado ao outro dela. Passamos horas na brincadeira de ver quem conseguia fazer com que sua pedra deslizasse mais rápida e mais distante da pedra do outro competidor. Aquele 21 de agosto de 1965 vai nos acompanhar até nossos cabelos adquirirem a mesma cor branca daquela inesquecível dia.

Sobre o castelinho não havia quem não o admirasse. Crianças, no mundo de quimeras próprio delas, fantasiavam ene coisas sobre aquela jóia da arquitetura dos anos 1930(?). A imaginação delirante era um campo vasto sobre o qual todos nós percorríamos fantasiando sobre o que havia nele. Quem o habitava? As meninas indagavam se existia realmente uma linda princesa? E o príncipe, já tinha aparecido para acordá-la num beijo apaixonado? Qual a cor do cabelo da princesa que morava naquela torre, para a qual todos olhavam demoradamente permitindo os sonhos mais irreais?

À noite, iluminado, o castelinho adquiria outras indagações. Seria mal-assombrado? Criança assustada jurava ter visto um vulto flanando no jardim. Outra fazia o sinal da cruz afirmando que havia avistado uma visagem. E em meio a fantasias e sustos, o castelinho permanecia inacessível a todos nós.

Nessa mesma época tivemos conhecimento da outra estória, a qual afastou muita criança das margens da Lagoa das Lágrimas; era a da serpente cuja cauda estava dentro dela e a cabeça sob o altar da Catedral. Após o relato da lenda/estória, nos primeiros dias não se avistava uma alma infantil viva nos entornos daquelas águas. Assustados, meninos e meninas andavam léguas mas não pisavam nas proximidades.

E quando se reuniam, o mais distante possível, ficavam hipnotizados olhando qualquer movimento nas águas que pudesse registrar a cauda da serpente se revolvendo. Ao menor movimento alguns saiam em correria. Acontece que nesse tempo haviam uns botes de madeira, alguns fazendo àgua pelo abandono, e que era usado por nós para épicas guerras de piratas e outras fantasias baseadas em Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, e as Vinte Mil milhas Submarinas ou Os Filhos do Capitão Grant, deJulio Verne. Sabendo da lenda da serpente não havia poder de persuasão que convencesse algumas crianças a novas batalhas nas águas que tinham uma serpente como habitante.

No domingo a santa missa atraia todos nós, porém, mais curiosos em pensar em que lugar do altar estaria a cabeça da fera do que no ato religioso em sí. Assim sendo, a missa perdia seu sentido divino e se transformava numa imaginação infantil coletiva, olhares pensativos, sussurros e risinhos punidos com olhar severo do celebrante.

Aos poucos as tardes de domingo, pós missa, começaram a assistir pouco a pouco o retorno dos guerreiros, assumindo suas posições nos botes para novas batalhas, olvidando quase por completo que sob as águas que sustentavam nossas embarcações havia a cauda de uma serpente que poderia virar as embarcações e nos tragar para o fundo lamacento da Lagoa das Lagrimas, para a cauda que nos enrolaria e nos tornaria aprisionados para sempre.

Talvez, a coragem tenha vindo com novos relatos de quem conhecia a história do castelinho, afirmando que nele morava um destemido homem que estaria pronto a socorrer quem fosse atacado pela serpente.

Lagoa, castelinho, serpente, princesas, guerreiros, aventuras mil...assim transcorreu a infância feliz, minha e de tantos companheiros de batalhas "náuticas" na Lagoa das Lágrimas, num tempo de pura inocência, fantasias e medos que, tudo junto, moldaram amizades duradouras.

OBS: (Uma das 200 crônicas do livro Era uma vez...em Guarapuava. Preço: R$ 50,00)

Mauro Biazi

Mauro Xavier Biazi, jornalista/escritor/fotógrafo/promotor de eventos culturais/ gastronômicos, e uma infinidade de outras atividades, usa das palavras para rascunhar recortes de uma vida de tantos feitos e fatos.

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